quinta-feira, 8 de julho de 2010

O menino e o carrinho...


Havia em uma vila muito distante uma mulher que era muito importante para todos, esta mulher havia chegado naquelas terras há muito tempo atrás e ela mesma havia construído a primeira casa naquele lugar. Todos a respeitavam. E ela fazia jus a este respeito, fazia-se presente em todos os momentos importantes, ajudava as senhoras a se organizarem, cuidava de organizar as festas, solicitava melhores condições para os moradores às autoridades. Era alguém imprescindível, alguém que nunca poderia faltar, alguém que não poderia nunca ser substituída, e todos naquele lugar eram unânimes em dizer que ela era a pessoa mais querida na vila. As crianças amavam-na, os homens comparavam-na as suas esposas, as mulheres sequer tinham ciúmes dela pois diziam entre si que aquela sim era uma amiga para todas as horas (queriam sim ser como ela um dia). Um dia porém esta mulher andava, como de costume, à beira do lago que ficava a alguns metros da praça principal, e se deparou com uma criança que brincava com alguns carrinhos de madeira, ela se sentou para conversar com aquela criança (afinal ela gostava muito de crianças), começaram então a conversar:



• Oi João! Do que você está brincando?

• De carrinho, a senhora quer brincar também?

• Eu posso?

• Claro que sim, vai ser muito legal brincar e conversar com a senhora!

• A senhora está vendo este carrinho maior aqui?

• Sim estou vendo. Por quê?

• Este é o carrinho mais bonito que eu tenho, papai que fez para mim quando eu tinha só quatro anos, até hoje eu guardo ele comigo, fico brincando com os outros o tempo inteiro, já estão tão gastos, mas este não! Este eu quero que fique assim, bonito, com a pintura novinha.

• Que legal João!

• A senhora tem alguma coisa guardada que a senhora nunca usou, uma coisa assim tão preciosa que alguém te deu?


Naquele momento, aquela senhora começou a pensar, foi e voltou em suas lembranças, e o menino ali parado sem saber porque ela estava em silêncio.

Seus pensamentos estavam distantes, sua lembrança não era de um presente, seu pensamento não estava em algo palpável. Lembrava-se de palavras que havia ouvido de seu pai no leito de morte. Lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto. Como aquela criança poderia ter tocado em algo tão íntimo com aquelas palavras tão simples? Ela simplesmente não entendia porque aquela cena voltava à sua mente.

Ainda ficou brincando com aquela criança por algum tempo, mas seu pensamento voltava a cada instante na cena da morte de seu pai. Lembrava-se das palavras, podia sentir a força do apertar de suas mãos já frias, lembrava-se dos seus olhos tão firmes quando deveriam estar vagos e perdidos. Lembrava-se do presente..

Lembrava-se de como havia sido importante ouvir aquilo de seu pai, de como isso afetou toda a sua vida. Havia se tornado quem era hoje por conta dos ensinamentos de seu pai. Mas estas últimas palavras abalaram toda a sua estrutura:

• “ Filha, sabes que te amo muito, mas não tente ser como eu fui, não me tenha como exemplo, existe algo maior do que simplesmente ser bom, fazer o bem, ajudar as pessoas, fiz isto a vida inteira e sempre quis que você me imitasse, sempre gostei de ser tido como importante para as outras pessoas, de estar em destaque. Não filha, não pense que isto é o mais importante da vida! Isto é bom quando é conseqüência do que você é de verdade, mas quando isso começa a ser um peso é preciso rever o que estamos fazendo. Ouvi uma palavra há dois dias de um homem, ele veio aqui e me perguntou se algumas daquelas pessoas que tanto ajudei poderiam me salvar. Achei aquele homem rude, quis que ele fosse embora. Mas ele me disse: de que adianta ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”

Estas lembranças fizeram com que ela se lembrasse do carrinho, ele era o mais querido, o que estava melhor cuidado. Mas o menino não brincava com ele. Os outros carrinhos tinham marcas, a pintura estava gasta. Quando se olhava para eles pensava “Já brincaram muito com estes carrinhos!”. Mas quando olhava para o outro via algo de estranho em meio aos outros carrinhos, apesar de estar novo, não tinha vida nele, parecia morto, mesmo estando tão bem cuidado, mesmo tão querido...

Aquela mulher chorou novamente, mas desta vez o choro não era amargo, não era um choro de saudade, não era um choro de lembranças da morte de seu pai. Uma alegria brotou em seu peito. Ela se sentiu amada de novo, mas era diferente. Era algo que ninguém nunca a havia feito sentir. Lembrou-se de um livro velho, as páginas amareladas, a capa preta já estava descascada mas ela podia recordar algo que havia lido ali e que só entendia agora:

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que enviou o seu filho Unigênito para que todo aquele que n’Ele crê não pereça mas tenha a vida eterna...” João 3.16







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